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Identificação do paciente: quando o erro custa um órgão

No dia 24 de setembro de 2025, um hospital brasileiro confirmou a realização de um transplante de rim no paciente errado. Segundo a instituição, a semelhança entre os nomes dos indivíduos teria motivado o erro. Embora não tenha ocorrido óbito, o desfecho foi grave: um órgão foi perdido e o paciente submetido ao transplante errado precisou de cuidados intensivos por incompatibilidade.

Esse episódio traz à tona uma questão central e antiga da segurança do paciente: a identificação correta do paciente.

Metas internacionais de segurança do paciente

A Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu as seis metas internacionais nos serviços de saúde:


  1. Identificar corretamente o paciente;

  2. Melhorar a eficácia da comunicação;

  3. Melhorar a segurança no uso de medicamentos;

  4. Garantir o local correto, o procedimento correto, e a cirurgia no paciente correto;

  5. Reduzir o risco de infecções associadas aos cuidados de saúde;

  6. Reduzir o risco de danos decorrentes de quedas.


Desde 2014, a Joint Commission instituiu a correta identificação do paciente como a meta mais importante, já que a falha nesse processo constitui causa raiz de inúmeros eventos adversos.

O impacto dos erros de identificação

Estudos internacionais demonstram que a falha na identificação pode gerar eventos adversos de diferentes naturezas:


  • administração incorreta de medicamentos e transfusões

  • exames inadequados ou em outro paciente

  • procedimentos em pessoa errada

  • troca de recém-nascidos


Na radiologia, os riscos são mais específicos: atraso no diagnóstico, administração de contraste a pacientes alérgicos e exposição desnecessária à radiação ionizante.

Rubio e Hogan (2015) detectaram 45 erros de identificação em um hospital pediátrico em 6 anos: 64% foram exames errados, 36% pacientes errados, e em 20% dos casos houve doses desnecessárias de radiação.

A crise de identidade nos sistemas de saúde

A literatura alerta para um fenômeno preocupante: a chamada “crise de identidade” (Lippi et al., 2017). Em muitos serviços de saúde, a alta frequência de homônimos potencializa erros. Um levantamento em banco de dados do Harris County Hospital District (EUA) revelou que 7,3% dos pacientes compartilhavam o mesmo primeiro e último nome, e até 2% tinham mesmo nome completo e data de nascimento.

Na minha dissertação de mestrado (Souza, 2023), mostrei que a identificação incorreta é um problema de saúde pública, amplificado por:


  • protocolos inadequados

  • pulseiras danificadas ou ausentes

  • falhas tecnológicas

  • fadiga e distração das equipes

  • falta de supervisão e de treinamentos periódicos

Protocolo de Cirurgia Segura

O Protocolo de Cirurgia Segura faz parte dos Protocolos Básicos de Segurança do Paciente, instituídos pela ANVISA e pelo Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP) desde 2013.

De acordo com o Colégio Brasileiro de Cirurgiões (2014) o checklist de Cirurgia segura reduziu a mortalidade de 1,5% para 0,8% e a taxa de complicações de 11% para 7%.

Identificação, LGPD e qualidade dos dados

No Brasil, o debate se conecta também com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD, Lei 13.709/2018), em vigor desde 2020. Ela exige a precisão dos dados pessoais (nome, CPF, data de nascimento, endereço), não apenas pela segurança clínica, mas também pela proteção legal do paciente.

Experiências internacionais mostram que investir em qualidade cadastral e revisão de dados traz resultados: o Texas Health Resources reduziu registros duplicados de 21% para 0,3% após implantar protocolos rígidos de checagem e integridade (Merisalo, 2017).

Segurança não é burocracia

O caso do transplante errado deixa claro: a correta identificação do paciente não pode ser tratada como burocracia. É uma prioridade clínica, legal e ética.

Cada pulseira conferida, cada dado validado e cada pergunta feita com atenção podem significar a diferença entre um cuidado seguro e um nunca evento. Nunca evento você já sabe, são aqueles eventos evitáveis que nunca deveriam acontecer, mas infelizmente acontecem.

Segurança do paciente é responsabilidade de todos nós. Confira sempre dois códigos identificadores (por exemplo: nome completo e data de nascimento). Pergunte ao paciente, ele responde e você confere. Nunca faça perguntas ao paciente para ele responder: sim ou não. Esse processo é falho.        

Referências


  • Correio 24h. Hospital comete erro e faz transplante de rim em paciente errado. 2025. Disponível em: https://www.correio24horas.com.br/brasil/hospital-comete-erro-e-faz-transplante-de-rim-em-paciente-errado-0925.

  • Joint Commission International. Hospital National Patient Safety Goals. 2022.

  • World Health Organization. Patient identification. WHO, 2007.

  • Rubio, D. S.; Hogan, M. Pediatric patient misidentification in radiology: frequency and outcomes. 2015.

  • College of American Pathologists. Patient misidentification study. 2006.

  • Lippi, G. et al. Patient and sample misidentification in healthcare. 2017.

  • Merisalo, M. Texas Health Resources data integrity project. 2017.

  • Souza, Aline Morião Carvalho de. Segurança do paciente em diagnóstico por imagem: proposta para mitigar falhas na identificação. Dissertação (Mestrado) – UFAM, 2023.

 
 
 

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