Identificação do paciente: quando o erro custa um órgão
- Dra. Aline Morião

- 24 de set.
- 3 min de leitura
No dia 24 de setembro de 2025, um hospital brasileiro confirmou a realização de um transplante de rim no paciente errado. Segundo a instituição, a semelhança entre os nomes dos indivíduos teria motivado o erro. Embora não tenha ocorrido óbito, o desfecho foi grave: um órgão foi perdido e o paciente submetido ao transplante errado precisou de cuidados intensivos por incompatibilidade.
Esse episódio traz à tona uma questão central e antiga da segurança do paciente: a identificação correta do paciente.
Metas internacionais de segurança do paciente
A Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu as seis metas internacionais nos serviços de saúde:
Identificar corretamente o paciente;
Melhorar a eficácia da comunicação;
Melhorar a segurança no uso de medicamentos;
Garantir o local correto, o procedimento correto, e a cirurgia no paciente correto;
Reduzir o risco de infecções associadas aos cuidados de saúde;
Reduzir o risco de danos decorrentes de quedas.
Desde 2014, a Joint Commission instituiu a correta identificação do paciente como a meta mais importante, já que a falha nesse processo constitui causa raiz de inúmeros eventos adversos.
O impacto dos erros de identificação
Estudos internacionais demonstram que a falha na identificação pode gerar eventos adversos de diferentes naturezas:
administração incorreta de medicamentos e transfusões
exames inadequados ou em outro paciente
procedimentos em pessoa errada
troca de recém-nascidos
Na radiologia, os riscos são mais específicos: atraso no diagnóstico, administração de contraste a pacientes alérgicos e exposição desnecessária à radiação ionizante.
Rubio e Hogan (2015) detectaram 45 erros de identificação em um hospital pediátrico em 6 anos: 64% foram exames errados, 36% pacientes errados, e em 20% dos casos houve doses desnecessárias de radiação.
A crise de identidade nos sistemas de saúde
A literatura alerta para um fenômeno preocupante: a chamada “crise de identidade” (Lippi et al., 2017). Em muitos serviços de saúde, a alta frequência de homônimos potencializa erros. Um levantamento em banco de dados do Harris County Hospital District (EUA) revelou que 7,3% dos pacientes compartilhavam o mesmo primeiro e último nome, e até 2% tinham mesmo nome completo e data de nascimento.
Na minha dissertação de mestrado (Souza, 2023), mostrei que a identificação incorreta é um problema de saúde pública, amplificado por:
protocolos inadequados
pulseiras danificadas ou ausentes
falhas tecnológicas
fadiga e distração das equipes
falta de supervisão e de treinamentos periódicos
Protocolo de Cirurgia Segura
O Protocolo de Cirurgia Segura faz parte dos Protocolos Básicos de Segurança do Paciente, instituídos pela ANVISA e pelo Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP) desde 2013.
De acordo com o Colégio Brasileiro de Cirurgiões (2014) o checklist de Cirurgia segura reduziu a mortalidade de 1,5% para 0,8% e a taxa de complicações de 11% para 7%.
Identificação, LGPD e qualidade dos dados
No Brasil, o debate se conecta também com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD, Lei 13.709/2018), em vigor desde 2020. Ela exige a precisão dos dados pessoais (nome, CPF, data de nascimento, endereço), não apenas pela segurança clínica, mas também pela proteção legal do paciente.
Experiências internacionais mostram que investir em qualidade cadastral e revisão de dados traz resultados: o Texas Health Resources reduziu registros duplicados de 21% para 0,3% após implantar protocolos rígidos de checagem e integridade (Merisalo, 2017).
Segurança não é burocracia
O caso do transplante errado deixa claro: a correta identificação do paciente não pode ser tratada como burocracia. É uma prioridade clínica, legal e ética.
Cada pulseira conferida, cada dado validado e cada pergunta feita com atenção podem significar a diferença entre um cuidado seguro e um nunca evento. Nunca evento você já sabe, são aqueles eventos evitáveis que nunca deveriam acontecer, mas infelizmente acontecem.
Segurança do paciente é responsabilidade de todos nós. Confira sempre dois códigos identificadores (por exemplo: nome completo e data de nascimento). Pergunte ao paciente, ele responde e você confere. Nunca faça perguntas ao paciente para ele responder: sim ou não. Esse processo é falho. Referências
Correio 24h. Hospital comete erro e faz transplante de rim em paciente errado. 2025. Disponível em: https://www.correio24horas.com.br/brasil/hospital-comete-erro-e-faz-transplante-de-rim-em-paciente-errado-0925.
Joint Commission International. Hospital National Patient Safety Goals. 2022.
World Health Organization. Patient identification. WHO, 2007.
Rubio, D. S.; Hogan, M. Pediatric patient misidentification in radiology: frequency and outcomes. 2015.
College of American Pathologists. Patient misidentification study. 2006.
Lippi, G. et al. Patient and sample misidentification in healthcare. 2017.
Merisalo, M. Texas Health Resources data integrity project. 2017.
Souza, Aline Morião Carvalho de. Segurança do paciente em diagnóstico por imagem: proposta para mitigar falhas na identificação. Dissertação (Mestrado) – UFAM, 2023.



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